Podemos afirmar que Ouro Preto nasceu ao redor de uma rua: o caminho-tronco que vai das Cabeças até o Padre Faria. Uma rua que corta trezentos anos de história.
A rua é a primeira atração para quem chega na cidade e muitas vezes sua importância pode passar despercebida. Nessas ruas Felipe dos Santos foi arrastado por cavalos, o povo assistiu ao desfile do Triunfo Eucarístico e o alferes Tiradentes propagou os ideais de liberdade. Por aqui correu o Embuçado, misteriosa figura da Inconfidência, e também Sinhá Olímpia. No carnaval, as ruas de Ouro Preto são tomadas por milhares de foliões. Na Semana Santa, as mesmas ruas são cobertas por tapetes de serragem.
O chamado Caminho-Tronco é um fio imaginário que liga as duas partes principais da cidade. Foi ao longo desse caminho que os diversos arraiais de mineração cresceram e formaram o contorno que hoje Ouro Preto apresenta.
A mesma rua: Quase todas as cidades históricas mineiras possuem uma “rua Direita”. No caso de Ouro Preto, assim como na maioria das cidades auríferas, a rua Direita não é “direita” no sentido de reta, mas por ser a rua das habitações de famílias mais nobres, próxima do centro administrativo da Vila, sempre à direita da praça central.
A rua era vista no século XVIII como um bem comum a ser mantido e respeitado. Numa cidade com terreno irregular, que dificultava a criação de praças e largos, a rua era em si o caminho e o local de interação social. Apesar do aspecto espontâneo de suas construções, regras rígidas visaram a manutenção da paisagem urbana da cidade.
Construções que invadissem o perímetro das calçadas eram advertidas e seus donos forçados a respeitar as divisas. Numa ata da câmara de Ouro Preto, de 1741, observa-se a preocupação para a pavimentação das vias públicas para evitar que as enxurradas, que desciam com força redobrada das ladeiras mais íngremes, causassem danos aos passantes e aos edifícios. Era solicitado que na manutenção das ruas fossem usadas boas pedras:
“[...] que fiquem bem ligadas e unidas umas com as outras para que se não arranquem e que sejam grandes e duras, de palmo para cima, ao menos, de comprido, para poderem resistir as umidades das águas e exercícios contínuo das ferraduras de cavalo”.
Depois de determinada hora a rua se tornava o território ideal para bandidos e assombrações. Em outra ata da câmara municipal se determina a eleição de 12 homens direitos para “sossegar qualquer inquietação que suceder” , uma espécie de força tarefa para manter a paz nas ruas. Além do medo de ladrões havia o medo das assombrações que apareciam aos transeuntes desavisados. Nasceu daí um compêndio de lendas e causos sobre espíritos, aparições e seres fantásticos. Para zelar pela paz pública e afugentar os fantasmas, oratórios eram colocados nas esquinas, alguns deles chamados de vira-e-saia.
Ladrão de ouro: a lenda do Vira-e-saia é das mais conhecidas em Ouro Preto. Os oratórios de rua eram usados por um famoso contrabandista de ouro para indicar o caminho que as comitivas seguiriam. Se o santo estivesse virado para um lado, significava que seria aquele o caminho, e seguindo essas indicações se tornava mais fácil assaltar as tropas que seguiam para o Rio de Janeiro.
Durante o dia a cidade se transformava e as ruas eram o palco da rotina urbana, com o vai-e-vem constante de mercadores, mineradores, homens do governo, escravos, quitandeiras, meirinhos e aventureiros. A grande aglomeração de pessoas em terreno tão sinuoso dava margem a conventículos e mexericos, e não por acaso, o movimento político que teve Tiradentes como líder ficou conhecido como Inconfidência.
Era hábito comum observar os passantes através das treliças das janelas. As divisórias vazadas, conhecidas como muxarambiês e gelosias, hoje estão quase totalmente desaparecidas. Observar sem ser observado muito contribuía para os flertes e os ciúmes passionais, agravados pela visão patriarcal onde a mulher devia estar sob constante vigilância. Para elas era negado o acesso livre e só podiam sair acompanhadas.
Um crime lendário: a lenda da donzela assassinada, narrada por Cecília Meireles em seu Romanceiro da Inconfidência, é baseada num crime real. O português Antônio de Oliveira Leitão assassinara a própria filha, então noiva, depois de vê-la agitando um lenço a um vizinho. Foi preso e sua mulher, Dona Branca, doou o terreno da família para a construção da atual igreja de Nossa Senhora das Mercês e Perdões, conhecida popularmente como Mercês de Baixo.
Enquanto as ruas de Ouro Preto foram abertas de acordo com a necessidade do crescimento, Mariana, cidade irmã de Ouro Preto, foi uma das primeiras cidades brasileiras a ser planejada, tendo sofrido, em meados de 1745, uma mudança significativa em seu traçado de acordo com o projeto do Mestre Alpoim.
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